10 de maio de 2012

Formação do Hábito Alimentar dos Brasileiros



Os hábitos alimentares de uma população podem ser determinados por uma série de fatores sociais, históricos, geográficos, religiosos e econômicos, inerentes à comunidade. O consumo de alimentos está condicionado e limitado por uma série de regras, restrições, atrações e aversões, com significados e crenças, que se interrelacionam com outros aspectos da vida social.
A cozinha brasileira tem por base a cozinha portuguesa, com outras duas grandes influências: a indígena e a africana. Houve inúmeras variações, desde os ingredientes a nomes e combinações.
A alimentação sempre esteve e ainda está bastante relacionada à história dos diferentes povos. Assim, para se caracterizar e compreender as origens de nossos hábitos alimentares, é preciso recordar o passado, os costumes indígenas, a colonização, os efeitos da escravidão e a evolução da sociedade como um todo até se chegar ao período atual.

A Contribuição Indígena
O primeiro depoimento sobre a alimentação indígena é a carta de Pero Vaz de Caminha a Pedro Álvares Cabral, que relata o comportamento dos ameríndios: “Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora”. O mesmo ocorreu com o vinho, mas apenas a princípio, pois foram se acostumando aos poucos com o que os europeus lhes ofereciam.
Antes do início da colonização, os indígenas viviam às custas da natureza, coletando plantas, animais da terra, do mar ou dos rios. Os homens caçavam e pescavam e as mulheres realizavam as atividades coletoras e os trabalhos agrícolas. Além disso, os homens assavam e as mulheres cozinhavam, e, justamente pela necessidade de equipamento para a realização de suas atividades, foram elas as inventoras da cerâmica, das vasilhas, panelas de barro, pratos , etc.
O índio não conhecia a cana de açúcar, que só veio com a colonização, mas usava o mel de abelhas, que existia em abundância em nossas matas. Com o mel, o índio também fazia bebidas. O sal era retirado da vegetação e não da água do mar. Os índios queimavam os troncos das palmeiras até se transformarem em cinzas, que então eram fervidas para obter o sal, de cor parda.

Exemplos da Contribuição Indígena
}  O uso da polpa do buriti no preparo de refrescos e outros alimentos.
}  O uso da mandioca, refresco de guaraná, a paçoca, o hábito de comer camarão, lagosta e caranguejo com molho seco de pimenta. 
}  A moqueca. Para os índios referia-se unicamente ao modo de preparo dos peixes, feitos então no moquém (utensílio para cozinhar peixe). Hoje em dia, tem grande variedade de ingredientes, seja no tipo de molho, tempero ou carne utilizada.
}  O caruru, mingau, pirão, beiju, pimenta (amarela e vermelha), chimarrão.
A cozinha brasileira sofreu uma série de influências, mas a culinária indígena não se dissolveu na aculturação, como a culinária negra, hoje dificilmente legítima. A comida indígena permaneceu relativamente fiel aos modelos quinhentistas e aos padrões da própria elaboração das farinhas, assados de carne e peixe, bebidas de frutas.

A Contribuição dos Portugueses
Não se sabe quando exatamente surgiu a verdadeira comida brasileira. Muitas vezes não se tem certeza nem mesmo se certas plantas são brasileiras ou não. Dá para imaginar um Brasil sem mangueira, sem jaqueira, sem fruta-do-conde? Pois o Brasil era assim antes dos portugueses. Eles é que trouxeram esses produtos para plantar.
Quando os colonos europeus chegaram ao Brasil, eles se viram “obrigados” a se ajustar ao tipo de economia alimentar. Mas essa adaptação aos costumes alimentares da colônia não impediu que os portugueses procurassem introduzir produtos do além-mar, como por exemplo a criação de gado. Os portugueses estavam habituados a tomar vinho e encontraram um sucedâneo nas bebidas indígenas: milho cozido em água com mel.
Com a monocultura da cana de açúcar estimulou-se a produção de doces e de cachaça e essa bebida passou a fazer estragos sobretudo entre as populações ameríndias, prejudicando a saúde dos antigos habitantes de nossa terra.
O costume de comer carne de gado começou com a vinda dos rebanhos para o continente americano no século XVI. Assim, sarapatel, panelada, buchada, entre outros, não foram técnicas africanas, mas processos europeus. O sarapatel, o português aprendeu na Índia. A panelada e a buchada, preparadas com vísceras assadas em grelha ou chapa do fogão, têm origem castelhana e entraram no país por influência da vizinhança e contato espanhol. Na verdade, os indígenas nem conheciam o consumo de carne bovina e os africanos nunca tiveram tal costume.
O português também trouxe as festas tradicionais – Páscoa, São João, Natal –, com seus cantos, danças e comidas típicas. Trouxe o pão, feito com quase todos os cereais. O prato mais gloriosamente nacional do Brasil, a feijoada completa, é um modelo aculturado do cozido português com feijão e carne seca.
Além de todas essas contribuições à nossa culinária, os portugueses introduziram hábitos que marcaram definitivamente nosso paladar: valorizaram o uso do sal e revelaram o açúcar aos africanos e índios do Brasil. A partir daí, nossa cozinha adotou os doces de ovos e das mais diversas frutas. Surgiram a goiabada, a marmelada, a cajuada e todas as outras “adas” que constituem o arsenal energético de nossas sobremesas.
Os nativos e os africanos não usavam óleos vegetais e muito menos gorduras animais para preparar os alimentos. Não conheciam a fritura. Outra revelação portuguesa.

A Contribuição dos Africanos
Antes dos escravos africanos chegarem ao Brasil, eles já haviam recebido uma espécie de “curso prévio de alimentação local”. Tinham comido o milho americano, farinha de mandioca, aipim e diferentes tipos de feijões, além de tomarem cachaça, em vez do vinho da palmeira dendê.
A banana foi herança africana no século XVI e tornou-se inseparável das plantações brasileiras, cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas indígenas, e decorando a paisagem com o lento agitar de suas folhas. Nenhuma fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva. A banana foi a maior contribuição africana para a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo.
A palmeira do dendê foi cultivada ao redor da cidade de Salvador, o maior centro demográfico da época, onde a presença africana tornou- se marcante. Quando o Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil (1763) e a população aumentou, exigindo maior número de escravos para os serviços domésticos e plantio de açúcar, o azeite-de-dendê acompanhou o negro, seja nas frituras de peixe, ensopados, escabeches ou nos refogados.
A intensificação do tráfico de escravos, da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século seguinte, facilitou a ida e a vinda de várias espécies de plantas alimentares entre Brasil e África. A população negra que vivia no Brasil plantou inúmeros vegetais que logo se tornaram populares. Os negros trouxeram para o país a pimenta africana, cujo nome localizava a origem, Malagueta. A malagueta apenas aumentou o prestígio das pimentas brasileiras, que também dominaram o continente africano. Quanto às carnes, o único animal africano que continua colaborando no cardápio brasileiro é a galinha-d’angola.

Exemplos de Pratos Brasileiros de Origem Africana
   }  Abará ou abalá, aberém, acarajé, bobó, cuscuz, cuxá, mungunzá, quibebe e vatapá.
Na cidade de Salvador houve uma concentração negra mais homogênea, o que possibilitou a defesa das velhas comidas africanas, ao contrário das demais regiões. Foi ao redor das crenças, em especial do candomblé, que a cozinha africana manteve os elementos primários de sua sobrevivência.

Conclusão
Com tantas peculiaridades, excentricidades e influências na culinária nacional, seria ainda possível identificar uma comida típica brasileira? O prato que mais caracteriza o nosso hábito alimentar diário é o feijão com arroz. O feijão chegou mesmo a ser elevado à categoria de prato de resistência pelos portugueses e índios, no seu dia-a-dia, pelos caminhos do ouro.
Infelizmente, as condições econômicas que afetam camadas inteiras da população estão fazendo com que estes alimentos básicos venham sendo substituídos por outros mais baratos, porém menos nutritivos, tais como batata, macarrão e farinha de mandioca. Esse empobrecimento sistemático da dieta do povo afeta a saúde e põe em risco o desenvolvimento do país.
O feijão com arroz garante, ao menos em parte, a melhoria das condições nutricionais. Pesquisas científicas já demonstraram que essa mistura satisfaz as necessidades básicas do organismo com relação às calorias e proteínas. O feijão com arroz precisa voltar à mesa do brasileiro de todas as camadas sociais.

Referências Bibliográficas
}  Recine, E.; Radaelli, P. Alimentação e cultura. Brasília: Depto de Nutrição da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB), Área Técnica de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde (DAB/SPS/MS). 66 p.
}  Fisberg, M.; Wehba, J.; Cozzolino, S.M.F. Um, dois, feijão com arroz: a alimentação no Brasil de norte a sul. São Paulo: Ed. Atheneu, 2002. 418 p.

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