Os
hábitos alimentares de uma população podem ser determinados por uma série de
fatores sociais, históricos, geográficos, religiosos e econômicos, inerentes à
comunidade. O consumo de alimentos está condicionado e limitado por uma série
de regras, restrições, atrações e aversões, com significados e crenças, que se
interrelacionam com outros aspectos da vida social.
A
cozinha brasileira tem por base a cozinha portuguesa, com outras duas grandes
influências: a indígena e a africana. Houve inúmeras variações, desde os
ingredientes a nomes e combinações.
A
alimentação sempre esteve e ainda está bastante relacionada à história dos
diferentes povos. Assim, para se caracterizar e compreender as origens de
nossos hábitos alimentares, é preciso recordar o passado, os costumes
indígenas, a colonização, os efeitos da escravidão e a evolução da sociedade
como um todo até se chegar ao período atual.
A Contribuição Indígena
O
primeiro depoimento sobre a alimentação indígena é a carta de Pero Vaz de
Caminha a Pedro Álvares Cabral, que relata o comportamento dos ameríndios: “Deram-lhes
ali de comer: pão e peixe cozido, mel e figos passados. Não quiseram comer
quase nada daquilo; se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora”. O mesmo
ocorreu com o vinho, mas apenas a princípio, pois foram se
acostumando aos poucos com o que os europeus lhes ofereciam.
Antes
do início da colonização, os indígenas viviam às custas da natureza, coletando
plantas, animais da terra, do mar ou dos rios. Os homens caçavam e pescavam e
as mulheres realizavam as atividades coletoras e os trabalhos agrícolas. Além
disso, os homens assavam e as mulheres cozinhavam, e, justamente pela
necessidade de equipamento para a realização de suas atividades, foram elas as
inventoras da cerâmica, das vasilhas, panelas de barro, pratos , etc.
O
índio não conhecia a cana de açúcar, que só veio com a colonização, mas usava o
mel de abelhas, que existia em abundância em nossas matas. Com o mel, o índio
também fazia bebidas. O sal era retirado da vegetação e não da água do mar. Os
índios queimavam os troncos das palmeiras até se transformarem em cinzas, que
então eram fervidas para obter o sal, de cor parda.
Exemplos da
Contribuição Indígena
} O
uso da polpa do buriti no preparo de refrescos e outros alimentos.
} O
uso da mandioca, refresco
de guaraná, a paçoca, o hábito de comer camarão, lagosta e caranguejo com molho
seco de pimenta.
} A
moqueca. Para os índios referia-se unicamente ao modo de preparo dos peixes,
feitos então no moquém (utensílio para cozinhar peixe). Hoje em dia, tem grande
variedade de ingredientes, seja no tipo de molho, tempero ou carne utilizada.
} O
caruru, mingau, pirão, beiju, pimenta (amarela e vermelha), chimarrão.
A
cozinha brasileira sofreu uma série de influências, mas a culinária indígena
não se dissolveu na aculturação, como a culinária negra, hoje dificilmente
legítima. A comida indígena permaneceu relativamente fiel aos modelos
quinhentistas e aos padrões da própria elaboração das farinhas, assados de
carne e peixe, bebidas de frutas.
A Contribuição dos
Portugueses
Não
se sabe quando exatamente surgiu a verdadeira comida brasileira. Muitas vezes
não se tem certeza nem mesmo se certas plantas são brasileiras ou não. Dá para
imaginar um Brasil sem mangueira, sem jaqueira, sem fruta-do-conde? Pois o
Brasil era assim antes dos portugueses. Eles é que trouxeram esses produtos
para plantar.
Quando
os colonos europeus chegaram ao Brasil, eles se viram “obrigados” a se ajustar
ao tipo de economia alimentar. Mas essa adaptação aos costumes alimentares da
colônia não impediu que os portugueses procurassem introduzir produtos do
além-mar, como por exemplo a criação de gado. Os portugueses estavam habituados
a tomar vinho e encontraram um sucedâneo nas bebidas indígenas: milho cozido em
água com mel.
Com
a monocultura da cana de açúcar estimulou-se a produção de doces e de cachaça e
essa bebida passou a fazer estragos sobretudo entre as populações ameríndias, prejudicando
a saúde dos antigos habitantes de nossa terra.
O
costume de comer carne de gado começou com a vinda dos rebanhos para o
continente americano no século XVI. Assim, sarapatel, panelada, buchada, entre
outros, não foram técnicas africanas, mas processos europeus. O sarapatel, o
português aprendeu na Índia. A panelada e a buchada, preparadas com vísceras
assadas em grelha ou chapa do fogão, têm origem castelhana e entraram no país
por influência da vizinhança e contato espanhol. Na verdade, os indígenas nem
conheciam o consumo de carne bovina e os africanos nunca tiveram tal costume.
O
português também trouxe as festas tradicionais – Páscoa, São João, Natal –, com
seus cantos, danças e comidas típicas. Trouxe o pão, feito com quase todos os
cereais. O prato mais gloriosamente nacional do Brasil, a feijoada completa, é
um modelo aculturado do cozido português com feijão e carne seca.
Além
de todas essas contribuições à nossa culinária, os portugueses introduziram
hábitos que marcaram definitivamente nosso paladar: valorizaram o uso do sal e
revelaram o açúcar aos africanos e índios do Brasil. A partir daí, nossa
cozinha adotou os doces de ovos e das mais diversas frutas. Surgiram a
goiabada, a marmelada, a cajuada e todas as outras “adas” que constituem o
arsenal energético de nossas sobremesas.
Os
nativos e os africanos não usavam óleos vegetais e muito menos gorduras animais
para preparar os alimentos. Não conheciam a fritura. Outra revelação
portuguesa.
A Contribuição dos
Africanos
Antes
dos escravos africanos chegarem ao Brasil, eles já haviam recebido uma espécie
de “curso prévio de alimentação local”. Tinham comido o milho americano,
farinha de mandioca, aipim e diferentes tipos de feijões, além de tomarem
cachaça, em vez do vinho da palmeira dendê.
A
banana foi herança africana no século XVI e tornou-se inseparável das
plantações brasileiras, cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas
indígenas, e decorando a paisagem com o lento agitar de suas folhas. Nenhuma
fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva. A banana foi a maior
contribuição africana para a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição
e consumo.
A
palmeira do dendê foi cultivada ao redor da cidade de Salvador, o maior centro
demográfico da época, onde a presença africana tornou- se marcante. Quando o
Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil (1763) e a população aumentou,
exigindo maior número de escravos para os serviços domésticos e plantio de
açúcar, o azeite-de-dendê acompanhou o negro, seja nas frituras de peixe,
ensopados, escabeches ou nos refogados.
A
intensificação do tráfico de escravos, da segunda metade do século XVIII à
primeira metade do século seguinte, facilitou a ida e a vinda de várias
espécies de plantas alimentares entre Brasil e África. A população negra que
vivia no Brasil plantou inúmeros vegetais que logo se tornaram populares. Os
negros trouxeram para o país a pimenta africana, cujo nome localizava a origem,
Malagueta. A malagueta apenas aumentou o prestígio das pimentas brasileiras,
que também dominaram o continente africano. Quanto às carnes, o único animal
africano que continua colaborando no cardápio brasileiro é a galinha-d’angola.
Exemplos de Pratos
Brasileiros de Origem Africana
} Abará
ou abalá, aberém, acarajé, bobó, cuscuz, cuxá, mungunzá, quibebe e vatapá.
Na
cidade de Salvador houve uma concentração negra mais homogênea, o que
possibilitou a defesa das velhas comidas africanas, ao contrário das demais
regiões. Foi ao redor das crenças, em especial do candomblé, que a cozinha
africana manteve os elementos primários de sua sobrevivência.
Conclusão
Com
tantas peculiaridades, excentricidades e influências na culinária nacional,
seria ainda possível identificar uma comida típica brasileira? O prato que mais
caracteriza o nosso hábito alimentar diário é o feijão com arroz. O feijão
chegou mesmo a ser elevado à categoria de prato de resistência pelos
portugueses e índios, no seu dia-a-dia, pelos caminhos do ouro.
Infelizmente,
as condições econômicas que afetam camadas inteiras da população estão fazendo
com que estes alimentos básicos venham sendo substituídos por outros mais
baratos, porém menos nutritivos, tais como batata, macarrão e farinha de
mandioca. Esse empobrecimento sistemático da dieta do povo afeta a saúde e põe
em risco o desenvolvimento do país.
O
feijão com arroz garante, ao menos em parte, a melhoria das condições
nutricionais. Pesquisas científicas já demonstraram que essa mistura satisfaz
as necessidades básicas do organismo com relação às calorias e proteínas. O
feijão com arroz precisa voltar à mesa do brasileiro de todas as camadas
sociais.
Referências
Bibliográficas
} Recine,
E.; Radaelli, P. Alimentação e cultura. Brasília: Depto de Nutrição da
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB), Área Técnica
de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de
Política de Saúde do Ministério da Saúde (DAB/SPS/MS). 66 p.
} Fisberg,
M.; Wehba, J.; Cozzolino, S.M.F. Um, dois, feijão com arroz: a alimentação
no Brasil de norte a sul. São Paulo: Ed. Atheneu, 2002. 418 p.
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